quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Zoologia - ou zoofilia? - evangélica

Fechando a trilogia que começou com o marketing evangélico e continuou com a numerologia evangélica, agora vou falar de outro fenômeno não menos recente, mas certamente mais bizarro: a zoologia - ou seria zoofilia? - gospel.
Em seu ministério, Jesus usou alguns exemplos da natureza, tanto do reino vegetal – a semente de mostarda, o campo de trigo – como do reino animal: os peixes capturados numa rede, as ovelhas e seu inimigo, o lobo, as pombas e as serpentes, etc. Esse método de ensino se justifica porque seu público mais próximo era um povo simples, que teria facilidade em entender esses símbolos e parábolas. Isto é a essência do Evangelho, a simplicidade. Talvez por causa disto, dentre outras razões óbvias, seus opositores mais intelectualizados tenham se sentido ofendidos em sua erudição.
Mas hoje os novos “apóstolos” descobriram o filão do misticismo e, ao lado da numerologia, que discutimos semana passada, também fazem larga utilização de figuras de animais. Não se contentam em ser comparados por Jesus a ovelhas. Não, de jeito nenhum. Ovelha é um bicho idiota demais. Não tem direção, perde-se facilmente, precisa de alguém para lhe guiar, lhe dar alimento e lhe proteger de predadores, como os lobos. Os crentes de hoje não são assim! Isso equivale a ser um derrotado! Não. O crente de hoje é um vitorioso, habita a sala do trono, vive todo babado diante do trono, e não pode ser esse animal lerdo não. 
Os crentes de hoje se acham mais inteligentes, evoluídos e sofisticados, e então extrapolaram para bichos mais de acordo com sua posição de vitória, como leões e águias. Bichos fortes, valentes, que vivem por cima, no alto, dominando, urrando por aí afora.
Já ouvi pregações exaltando o contraste entre águias e galinhas. “Temos que ser como as águias”, dizem, “que quebram o bico nas pedras de tão valentes que são, e não como galinhas que vivem ciscando, olhando para o chão”. Interessante analogia do ponto de vista motivacional e para a auto-estima, mas Jesus disse que teríamos que ser não como as águias, mas como as pombas: simples e puras, não valentes e machonas... e de mais a mais, essa comparação de águia com galinha foi retirada palestras motivacionais de cunho neuro-lingüístico, aquela técnica que diz que, de tanto repetir para si mesmo coisas positivas, você acaba acreditando mesmo e as coisas acontecem. Mais esotérico do que isso, vai ser difícil. Um conhecido palestrante que usa esse exemplo em seus livros nova-erenses é o ex-padre Leonardo Boff (veja aqui). E a pastorada copiando, vendendo aos incautos a idéia como se fosse sua (veja aqui).
Da mesma forma o leão. O cyberespaço está cheio de sites “proféticos” conclamando a cristandade a ser como leões, com os dentões para fora, urrando na orelha uns dos outros.
Igualzinho ao que acontece com os números, esses profetóides pegam um bicho aqui e outro ali para dar a eles um sentido místico, de poder e de “unção”. Não sei se temos que ser como leões ou imitar leões. Leão, para mim, só existe um na Bíblia. A bem da verdade, tem um outro que o imita, e fica em derredor... por isso não quero ser um arremedo de leão, uma cópia de leão. Tenho que ser ovelha. Jesus disse que o bom pastor (que é Ele mesmo) daria a Sua vida pelas ovelhas, não pelos leões... Aliás, todos, inclusive os “líderes”, têm que ser mesmo é ovelha, nem que seja por uma semana (leia aqui)... e isso exclui também a águia valentona, temível: tenho que ser é como uma pomba. Pelo menos foi o que o Leão de Judá ensinou.
Posso enxergar duas coisas nessa prática pós-moderna:
1 - um reflexo da má interpretação da “batalha espiritual”, que já vimos antes, onde, quando a Bíblia ensina a ficarmos firmes, os moderninhos ensinam a ser agressivo e atacar, rodear a cidade, fazer mapeamento, “atos proféticos” e outras inovações estranhas ao ensino dos apóstolos (os de verdade, não os modernos que andam de jatinho e caminhonetes de luxo). Batalha espiritual não é isto, já discutimos esse assunto aqui e aqui. Assim, é até certo ponto previsível, nessa teologia rasa, que não se queira ser identificado com um bicho tão manso como a ovelha ou uma pomba, e sim com seus contrapontos, o leão e a águia.
2 - por outro lado, há claramente uma goteira por onde se infiltram crenças orientais, em que alguns procuram se identificar com animais para lhes extrair as virtudes ou capacidades que lhes atribuem. São conhecidas de todos as práticas de yoga onde se assumem posturas de determinados animais, e certas artes marciais cujos golpes são associados a bichos ferozes, inclusive com seus berros associados a cada gesto.
O resultado disso tudo é gente imitando bichos, para vergonha do evangelho, como neste vídeo ridículo que já rodou o mundo todo, quase travou o Youtube e já foi muito debatido:

Até o pessoal que toca na banda achou esquisito... o cara que toca violão faz uma cara de espanto aos 3min30seg, mas... deixa pra lá... tsc, tsc.
Acho que chega.
Para terminar a trilogia, dê uma olhadinha nas páginas de escândalos dos jornais e verá muitos “líderes religiosos” que estão mais para lobos e abutres do que para leões e águias.
Contentemo-nos em ser como Jesus mandou: como ovelhas e pombas.
Não águias e leões, doa a quem doer.
Sede simples como as pombas. Mateus 10:16.
Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas... Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. João 10:11,14,15.

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- atualizado em 17/11/2014