sábado, 9 de abril de 2011

Tragédia em Realengo

A tragédia de Realengo reacendeu uma questão bastante controversa: a origem e o por quê da existência do mal. Crianças e adolescentes assassinados friamente, “de graça”, por um sujeito absolutamente esquisito, por mais que se busque entender nunca se chegará a justificativas humanamente aceitáveis. Este rapaz pode ser comparado a um terrorista, ou àqueles infelizes de Columbine, que de certo modo criaram este modvs operandi? Seria um Hitler em formação, cuja carreira foi interrompida antes de sua lista de mortes crescer mais? Não sabemos, e talvez nunca saibamos. As questões que podemos apenas especular são: 
Por que isto aconteceu?
Se Deus está o controle de tudo, por que Ele permitiu que isto ocorresse?
Ou, por outro lado, se Deus sabe todas as coisas de antemão, por que teria ordenado que isto ocorresse?
Muita gente descrê de Deus com base em argumentos como: “se Deus é bom, então não deve ser suficientemente poderoso para acabar com o mal no mundo; e se ele é poderoso, então não deve ser bom, pois não acaba com o mal; portanto, ou Deus não é todo-poderoso ou então é mau”. Um argumento bastante fraco, diga-se de passagem, em que pese a sua pretensa lógica.
A Bíblia nos mostra que Deus não criou o mundo no estado em que se encontra hoje, mas que o mal entrou na criação posteriormente. Gênesis declara, após cada ato criativo de Deus, que Ele avaliava que aquilo “era bom”. Toda a criação estava em ordem e harmonia: “Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a estabeleceu, não a criando para ser um caos, mas para ser habitada...” (Isaias 45:18). E quando por fim criou o homem, Deus disse que era “muito bom”: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto” (Gênesis 1:31).
Originariamente, o mal não fazia parte da natureza humana. O mal entrou depois. Ao homem foi posta uma escolha: “Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:16,17). Deus advertiu da possibilidade tanto da bem-aventurança como da desgraça, e sabemos como o mal entrou na criação; mas isso não explica a origem do mal. Se o mal entrou na criação por causa do pecado, isso significa que o que vemos hoje no mundo é a conseqüência do pecado, por conta de uma má escolha de Adão e Eva, tentados por Satanás, o qual deseja atrapalhar tudo que Deus planejou de bom. Mas ainda assim, resta saber de onde veio este mal que a humanidade escolheu, por achá-lo mais atraente (“Então, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, comeu, e deu a seu marido, e ele também comeu”, Gênesis 3:6). O mal estava lá, portanto, já havia sido criado, posto que somente Deus é eterno, e “todas as coisas foram feitas por intermédio Dele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (João 1:3).
Há 1500 anos Agostinho concluiu que o mal não é a causa eficiente, mas sim deficiente; isto é, o mal é a ausência do bem, ou, filosoficamente falando, se o bem é “ser”, o mal é “não-ser”. Este “não-ser” pode unicamente provir do homem, e não de Deus, que é puro ser e produz unicamente o “ser”. O mal entrou no mundo pelo pecado original; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, físico e moral, além da perda dos dons gratuitos de Deus. Remediou este mal moral a redenção de Cristo, Homem-Deus, que restituiu à humanidade os dons de Deus e a possibilidade do bem moral; mas deixou permanecer o sofrimento, conseqüência do pecado, como meio de purificação e expiação. E a explicação última de tudo isso - do mal moral e de suas conseqüências - estaria no fato de que é mais glorioso para Deus tirar o bem do mal, do que não permitir o mal. Resumindo a doutrina agostiniana o mal é, fundamentalmente, privação de bem.[1]
Embora tal raciocínio talvez explique a essência do mal – não atender, não obedecer, não confiar em Deus – mas ainda assim, não resolve o problema da origem. Eu penso que a resposta para esta questão está em várias partes da Bíblia. Uma delas, talvez a mais importante, é o capítulo 45 de Isaías. Nessa passagem Deus afirma várias vezes a Sua soberania, poder e controle absoluto sobre todas as coisas:
“Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cinjo, ainda que tu não me conheças. Para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro... Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a estabeleceu, não a criando para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o Senhor e não há outro... Quem mostrou isso desde a antigüidade? quem de há muito o anunciou? Porventura não sou eu, o Senhor? Pois não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há além de mim” (v. 5,6,18 e 21).
Este mesmo Deus totalmente poderoso, onisciente, onipotente, justo, e eterno, assume a criação de todas as coisas, inclusive o mal: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço todas estas coisas” (v. 7).
Aqui fica claro que Deus não se exime de ter criado o mal, e também que o mal não é apenas a ausência ou a negação do bem, mas algo concreto, real, com uma faceta metafísica ou espiritual (a escolha) e suas conseqüências morais, físicas e circunstanciais: o pecado, o sofrimento, a culpa, as guerras, a exploração do homem pelo homem, a destruição da natureza. Aliás, a natureza sofre com o mal e o pecado no universo, e aguarda ansiosamente pela restauração ao estado original: “Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus. Porquanto a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, conjuntamente, geme e está com dores de parto até agora; e não só ela, mas até nós, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a nossa adoração, a saber, a redenção do nosso corpo” (Romanos 8:19-23).
Deus não foge à responsabilidade de haver criado o mal. Pelo que pude pesquisar, a palavra hebraica original usada em Isaías (“Eu crio o mal”) é a mesma de Gênesis 1:1 (“No princípio criou Deus os céus e a terra”), 21 (Criou, pois, Deus os monstros marinhos...”), e 27 (Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou). Diferentemente de quando Deus fala da luz e da paz (“Eu formo a luz”, “Eu faço a paz”). Deus, Ele próprio, é luz (“Deus é luz, e nele não há trevas nenhumas”, I João 1:5), e por isso a palavra usada é diferente; e a paz é um fruto Dele próprio (Gálatas 5:22).
Mesmo assim, Deus não pode ser considerado culpado pelo mal que há no mundo. A capacidade de escolha do homem – e dos seres espirituais que o precederam e igualmente sucumbiram à tentação – é uma prova de que, em última instância, o mal existe para que o homem tenha oportunidade de escolha – ou, se quisermos voltar ao assunto da predestinação e eleição – de não resistir à graça salvadora de Deus. Deus somente restringiu essa escolha ao expulsar o homem do Éden – e o que parece ser uma punição acaba sendo uma bênção, pois assim o homem perdeu o acesso à Árvore da Vida, e portanto, a possibilidade de viver eternamente em pecado! Deus não proibiu a Árvore da Vida: “Disse-lhes mais: Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento” (Gênesis 1:29); “De toda árvore do jardim podes comer livremente” (2:16); e sobre a outra advertiu “mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (2:17). Ele só restringiu o acesso após a queda. Só podemos especular o que teria acontecido se Adão e Eva tivessem escolhido comer da árvore certa!
A palavra final é que o mal não reinará para sempre, embora hoje em dia não consigamos ver uma saída ou perspectiva diferente: somente pela fé cremos que a primeira profecia da Bíblia está prestes a se cumprir. Deus disse a Satanás que enviaria um Salvador que lhe esmagaria a cabeça, em Gênesis 3:15. 
Mesmo hoje, com todas as barbaridades que vemos a toda hora no noticiário, sabemos que a atuação do mal é limitada por Deus (“Pois o mistério da iniqüidade já opera; somente há um que agora o detém até que seja posto fora”, II Tessalonicenses 2:7), e que o clamor dos mártires, que ecoa pelos séculos, há de ser atendido (“Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”, Apocalipse 6:10). No final, todo o mal, toda dor, toda doença, toda guerra, todo sofrimento, e a própria morte, serão abolidos.
“Porque o Cordeiro que está no meio, diante do trono, os apascentará e os conduzirá às fontes das águas da vida; e Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima... e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Apocalipse 7:17 e 21:4).
A Bíblia é realista acerca do mal, sua origem, atuação e derrocada final. Quando Cristo morreu na cruz, parecia que o mal havia triunfado; mas três dias depois, a morte e o pecado conheceram a derrota final. Temos motivos suficientes para manter viva a esperança em um dia em que o mal será coisa do passado. Serão tempos em que não haverá mais serial-killers invadindo escolas ou explodindo bombas em pontos de ônibus, e todas as coisas serão restauradas ao seu estado original; tempos em que Deus irá olhar para Sua criação e ver novamente que “tudo é muito bom”!
O capítulo de Isaías onde Deus fala sobre o mal termina com uma nota de esperança: “Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os confins da terra; porque eu sou Deus, e não há outro” (Isaías 45:22).