domingo, 20 de maio de 2012

A Torre de Pisa

Voltei.
Nas férias tive a oportunidade de conhecer um dos lugares que sempre me fascinaram, a torre inclinada de Pisa.
Trata-se de um conjunto arquitetônico impressionante. Como se sabe, há uma grande catedral (chamada de “il duomo”), um outro prédio separado chamado batistério (pois na época os não-batizados na fé católica não podiam entrar no templo, e assim batizava-se as pessoas fora do templo), e a estrutura mais conhecida e emblemática, o campanário ou torre. Geralmente a torre fica junto à nave das igrejas, mas em Pisa fica bem separada. A construção da torre começou em 1173, e poucos anos depois começou a se inclinar, motivo pelo qual tudo parou.  Depois, como se sabe, houve várias paradas e retomadas na construção, que levou cerca de um século, com posteriores e constantes tentativas de estabilização. Na última batelada de reforços estruturais, aproveitaram e fizeram uma faxina geral, com a limpeza de todo o mármore que recobre o conjunto. Ficou uma beleza, a brancura até dói nos olhos. Mas hoje em dia, Pisa ainda é uma dor de cabeça constante para os historiadores, arqueólogos e amantes da arte em geral, pois é quase certeza que mais dia, menos dia, ela cairá, não obstantes os esforços para estabilizá-la. As projeções mais otimistas dizem que ela está garantida pelo menos por mais uns 200 ou 300 anos.
Você pode obter mais informações depois, mas só para ilustrar, enquanto num dos lados o fosso ao redor da torre tem cerca de 1m de profundidade, do outro lado isso quase dobra! Veja essas fotos que fiz lá, aqui ao lado.
Vendo tudo isso, não tive como não pensar na Igreja, a espiritual, nos seus fundamentos e no seu crescimento. Formada por pedras vivas (cf. I Pedro 2:5), é um edifício vivo, que vai crescendo dia após dia, até que seja colocada a última pedra. Aí ela estará pronta para ser levada deste planeta para se encontrar com Seu Senhor.
Jesus disse em Mateus 7 e Lucas 6 sobre a casa construída na rocha e a casa construída sobre a areia. Sabemos que a Igreja foi erguida sobre a rocha, e essa rocha, por mais que os católicos teimem em dizer que é Pedro (com base na interpretação equivocada de Mateus 16:18), ou outra coisa qualquer, essa rocha é o próprio Jesus Cristo. O apóstolo Pedro mesmo tratou de acabar com qualquer dúvida a respeito (I Pedro 2:3-4, 6-8).
Mas voltando à igreja/templo de Pisa, e sua torre inclinada, é preciso pensar se nós, como Igreja viva, não estamos também meio “fora do prumo”. É como se Deus tivesse planejado uma grande casa, e nós, as pedras, nos metemos a pedreiros. Cismamos de nós mesmos dar uma arrumada aqui, fazer um puxadinho ali, e com isso o prédio foi entortando até ficar como a torre de Pisa, parece que vai cair a qualquer hora. O que teria feito com que esse edifício magnífico, planejado e construído por Deus, ficasse assim entortado para um lado?
Fiquei pensando nos muitos desvios que nós, homens falhos, sujeitos ao erro o tempo todo, introduzimos no projeto original do Grande Arquiteto (não sou maçom não, viu? É que acho bacana essa expressão, com base em Hebreus 11:10).
O livro de Atos relata os primórdios da construção do edifício. Jesus havia feito a fundação principal. Os apóstolos iam colocando os fundamentos, recebidos diretamente do Senhor, conf. Efésios 2:20 e I Coríntios 3. As epístolas foram formando o corpo doutrinário, as regras de comportamento, o proceder no culto, explicando os dons que o Espírito ia dando aos salvos. E assim o projeto foi sendo executado, cabendo a cada uma das pedras vivas fazer o seu trabalho, que está bem claro em Mateus 28 e Marcos 16: pregar o Evangelho, batizá-los, fazer discípulos (não para si, mas para o Senhor), para que essas novas pedras fossem sendo agregadas ao edifício até que ele seja completado.
Mas nós começamos a inventar moda, tão logo os apóstolos foram deixando este mundo. Primeiro, achamos que era muito fácil fazer parte da Igreja, e aí, bem no início, inventamos que todo mundo tinha que seguir as leis mosaicas. Já em Atos 15 vemos os apóstolos dispensando as novas pedras de seguirem tais leis, mas em Gálatas percebemos que o assunto insistia em voltar, com Paulo lutando para ensinar ao povo que isso era um jugo inútil.
Depois, continuamos a criar puxadinhos: vieram as velas, os santos, o purgatório. Depois as missas e seu ritual cada vez mais complicado; surgiram as gambiarras do rosário, as missas de sétimo dia, de trigésimo dia, a hierarquia de bispos, cardeais, papas.
Após algum tempo, tentou-se fazer uma reforma no prédio. Lá pelo século XVI, Lutero, Calvino e outros reformadores fizeram uma baita faxina e jogaram fora várias caçambas de entulho. O prédio ficou com uma cara nova, limpa, mais clara, sem fumaça de velas e incenso. O prédio ficou rebrilhando como a torre de Pisa está hoje. Os bibelôs de porcelana foram catapultados pelas janelas e se espatifaram, mas... alguns entulhos permaneceram escondidos. Talvez alguns ficassem com pena de jogá-los fora e resolveram guardá-los. Assim continuou morando no prédio o sacerdócio profissional, alguma hierarquia e uma grande devoção à estrutura física dos templos em si. Tanto que até hoje se confunde igreja/templo com Igreja espiritual; e quando se ousa dizer que não há necessidade de templo físico, quase começa uma terceira guerra mundial.
Em todo caso, a construção continuou subindo, agora com menos desvios; mas ainda os havia.
Quando chegamos ao final do século XX, a proliferação dos meios de comunicação, a globalização e a democracia fizeram o seu trabalho. De repente, todo mundo passou a se achar arquiteto, verdadeiros Niemeyers formados por correspondência, pela Internet e em “faculdades teológicas” de quinta categoria. 
O sujeito que mal sabe escrever uma redação de colégio agora se torna pregador ungido, e começa a construir o seu próprio puxadinho. O do lado, para não ficar para trás, faz um puxadinho com mais janelas, e o outro faz o seu com menos janelas, mas janelas mais compridas e coloridas. Vários estilos surgem: janelas tradicionais, outras mais “modernas”, orientadas por novas “visões”, de acordo com o “novo de Deus” (me dá medo esse “novo de Deus”. O Projeto de Deus é o mesmo, não muda, por isso, sei lá se Deus anda fazendo “novo de Deus”). Outros puxadinhos têm todo o jeitão de sinagoga, o pessoal lá usa tallith, kippah e toca shofar; tem sacerdote, levitas, até arca da aliança tem (assim mesmo com letra minúscula, já que costuma ser não de madeira de acácia revestia de ouro, como diz o mandamento, mas de papelão pintado com tinta guache). Celebram as festas de Israel (só não sei como ainda não adotaram a circuncisão, mas aposto que é questão de tempo). Esses puxadinhos até têm nomes pomposos na porta: “templo de Salomão”, “congregação mundial”, “catedral universal”, “paróquia monumental” etc.
Outras gambiarras copiaram o estilo dos que habitavam essas paragens antes de ser iniciada a construção do nosso edifício: assim é trouxeram o pagode gospel, a balada gospel, o funk gospel e qualquer-outra-coisa-com-nome-gospel. É como se Salomão, ao iniciar o culto no templo de Jerusalém, resolvesse usar os ritmos e roupas dos filisteus, amonitas, moabitas e amalequitas, para manter os israelitas sempre atualizados com a concorrência e sempre entretidos com as novidades.
O pessoal de Roma, que começou com os acréscimos ao projeto original, agora dá uma de santinho e diz que não precisam de mais nada; afinal, dizem, têm seu próprio “puxadão”, tão esquisito que deve ser, de fato, um outro prédio, já que suas fundações são outras. Nada mais têm que lembre o projeto original, embora insistam que só eles seguem a planta à risca. Precisam de óculos, e de lente bem grossa.
E assim, de puxadinho em puxadinho, o prédio começou a se inclinar, como a torre italiana. Ele está firmado na rocha: não vai cair. Mas o prumo, que deveria apontar para o zênite, agora aponta para outro lugar. Não está indo na direção certa.
O que fazer?
Em Pisa, os técnicos chegaram à conclusão de que o terreno é, em termos leigos, “fofo” demais. Há também infiltração de água no subsolo, o que faz com que o peso da estrutura, apoiada em parte sobre a camada “fofa”, se incline. Os engenheiros e arquitetos explicarão melhor, mas em resumo é isso. Fizeram então grandes e constantes reforços na base, injetando concreto e outras coisas para estabilizar a construção; quanto tempo isso vai funcionar, não se sabe.
Mas com a Igreja isto não é possível. Não se pode colocar outro fundamento (cf. I Coríntios 3:11). O fundamento está lá, beleza, imutável, firme para sempre. Nele não se mexe. O que precisamos fazer para devolver a nossa “Torre” à posição correta, inicial, a que foi projetada desde a Eternidade?
Minha opinião é que devemos abrir de novo as plantas que o Arquiteto deixou. Vamos reler o Manual que Ele escreveu. Vamos ver se o que estamos pendurando no edifício estava no projeto original: se não estiver, sinto muito, mas arrancamos e jogamos fora, e doa a quem doer.
Alguns exemplos de penduricalhos inúteis:
Hierarquia. Devemos ser submissos a líderes que se arvoram em infalíveis? Líderes que não admitem serem contestados, mesmo quando sua conduta é incompatível com a de um verdadeiro discípulo de Cristo? Líderes que enriquecem a olhos vistos, que sugam seus seguidores financeira e emocionalmente? Líderes sob cuja “cobertura” todos devem permanecer, pois se saírem são anatematizados?
Sacerdócio profissional. Devemos sustentar sacerdotes? Ou devemos assumir nosso papel individual de sacerdote perante Deus, de acordo com I Pedro 2:5, 9?
Judaísmo. Devemos retornar a costumes há muito abolidos, que pertencem à velha e obsoleta aliança (cf. Hebreus 8:13)? Devemos nos submeter a ordenanças que não foram destinadas a nós, Igreja, e sim a Israel? Devemos “dizimar”, mesmo que o Novo Testamento nos diga que devemos contribuir voluntariamente segundo Deus colocar em nosso coração (II Coríntios 9:7)? Devemos ter levitas no culto, mesmo sabendo que o velho sistema foi extinto? Devemos ter “adoração profética”, “dança profética”, tocar o shofar, mesmo tendo a orientação de que nosso culto deve ser apenas com “hinos, salmos e cânticos espirituais”, “com ação de graças” (Efésios 5:19; Colossences 3:16)? Devemos derramar óleo na cabeça dos outros como se isso transmitisse algum poder? Mesmo a Bíblia dizendo que o óleo deve ser usado apenas nos casos de doença? Mesmo sendo a unção com óleo de uso exclusivo dos sacerdotes do Velho Testamento, cf. Êxodo 30:22-38. Mesmo sabendo que não precisa ungir ninguém para receber o Espírito, cf. I Coríntios 6:19;  II Coríntios 4:13 e 12:18; e II Timóteo 1:14?
Obras. É um tal de “pagar o preço”, “quebrar as maldições”, “fazer corrente” disso e daquilo outro, fazer curso de discipulado, fazer clínica espiritual, “raspar a cabeça para pagar voto”, “fazer ato profético”, passar por ritual de libertação – mesmo que já tenha feito tudo isso antes, tem que fazer de novo este ano... que não se pode ter mais certeza de ter cumprido todas as obrigações para ter direito ao céu. A cada dia surgem mais tarefas a cumprir, mesmo que Jesus tenha dito que tudo já está consumado. Está mais pesado que a Lei de Moisés. Usam textos fora de contexto, como Mateus 24:13 e Apocalipse 2:10, para manter o pessoal “na linha”, como se a minha salvação dependesse da minha perseverança, e não o contrário.
Tem mais um monte, mas o espaço é curto.
Veja você se encontra mais puxadinhos por aí.
Quem sabe se um dia conseguimos acabar com todos eles, descartando todo esse entulho, para que o prédio desentorte?

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