domingo, 7 de abril de 2013

O silêncio profético

O atual ocupante do trono do Vaticano, Jorge Bergoglio, a.k.a. “papa” Francisco I (doravante abreviado neste blog para F1), disse, por ocasião de sua posse, que há momentos em que parece que Deus está em silêncio. Referia-se à existência do mal no mundo e à aparente impunidade reinante, apesar de Deus ser justo. Eu gostaria que ele lesse este link, mas é provável que isso não ocorra. Mas já houve épocas em que as pessoas diriam que Deus estava ausente. Sabemos de pelo menos dois períodos assim: o tempo compreendido entre o final de Gênesis (quando os descendentes de Jacó desceram ao Egito) e o início de Êxodo (quando então já são escravos dos egípcios); e entre o final de Malaquias (último livro do Antigo Testamento) e o inicio do Evangelho de Mateus (primeiro livro do Novo Testamento). Ambos os períodos coincidem pelo menos na duração: 430 anos cada.
Fato é que, antigamente, as Bíblias vinham com quatro páginas em branco, entre o Antigo e o Novo Testamentos. Essas páginas simbolizavam quatro séculos, o tempo em que “Deus permaneceu em silêncio”, conhecido como “O Silêncio Profético”. “Esse intervalo [depois de Malaquias] pode ser melhor compreendido se levarmos em consideração que nenhum profeta inspirado ergueu-se em Israel, pois o Antigo Testamento já estava completo aos olhos dos judeus”, informa a professora Cristina Santiago, da Faculdade Batista Brasileira de Salvador, Bahia.
Sabemos que nesse tempo ocorreram grandes, profundas e significativas mudanças tanto no panorama geral da humanidade (gentios) e dos judeus em particular, nos aspectos geo-políticos, culturais e religiosos. Você pode consultar uma enciclopédia para observar certos fatos – a maioria deles preditos pelos profetas, em especial Daniel – como por exemplo a sucessão de potências (impérios) dominantes. Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma se sucederam, e sob o governo dessas potências estrangeiras o povo judeu foi sendo moldado para o maior advento da História até então – a vinda do Messias. Eu destacaria como fatos cruciais dessa época, e que podem ter algum paralelo com os nossos dias:
Nos últimos 100 anos do Velho Testamento e até um pouco mais adiante, Israel esteve sob controle persa (entre 532 e 332 a.C.). Um tempo de relativa paz, pois os persas até deram permissão para reconstruir o templo (IICrônicas 36:22-23; Esdras 1:1-5). Mas muitos judeus permaneceram na Pérsia: é dessa época o livro de Ester. Os que voltaram a Israel se reorganizaram sob a liderança de Esdras, Neemias, Ageu, Zacarias, o sacerdote Josué e, mais tarde, Malaquias. Num primeiro momento, houve um reavivamento (Esdras 10; Neemias 10 a 13). Os judeus abandonaram a antiga tendência à idolatria, mas passaram a valorizar demais o formalismo e à religiosidade, sem a verdadeira essência espiritual. O império persa é a segunda potência profetizada por Daniel anos antes (ver Daniel 7:5, 17; 8:20), pois o reino babilônico (o primeiro animal) já fora substituído e seu último rei, Belsazar, derrotado pelos medo-persas (Daniel 5:31-31 e 9:1);
A ascensão dos gregos, chefiados pelo macedônio Alexandre “o grande”. Ex-aluno do filósofo Aristóteles e um mestre da política, promovia a cultura grega em todo território conquistado. Como resultado, o Velho Testamento hebraico foi traduzido para o grego, gerando a tradução conhecida como “Septuaginta”. Nota importante. Aqui começa a inclusão de livros não inspirados no Cânon Hebraico. Isto aconteceu porque seus tradutores, judeus liberais, estavam mais interessados em enriquecer o acervo do que era, na época, a maior biblioteca do mundo, em Alexandria, no Egito, e de agradar a Alexandre, “o grande”. A versão Septuaginta” (ou “dos 70”, alusão ao número de escribas que trabalharam nela), e os tais livros inseridos jamais foram aceitos pelos judeus ortodoxos. Esses livros refletem duas correntes rabínicas (halákica” ou jurídica, e hagádica” ou histórica, esta inclinando-se para o apocalíptico), e formam mais ou menos três grupos:
Históricos (Livro dos Jubileus; Vida de Adão e Eva; Ascensão de Isaías; III Esdras; O Testamento de Moisés; Eldade e Medade; e mais tarde Macabeus e a História de João Hircano); Didáticos (Testamento dos Doze Patriarcas; Salmos de Salomão; Ode de Salomão; Oração de Manassés; e depois IV Macabeus); e os Apocalípticos (Livro de Enoque; Ascensão de Moisés; IV Esdras; Apocalipse de Baruque; Apocalipse de Elias; Apocalipse de Ezequiel; e Oráculos Sibilinos). Voltaremos aos apócrifos mais adiante.
Na época dos gregos houve forte influência do estilo de vida helênico, uma ameaça humanística e mundana a Israel. A Grécia foi o terceiro animal predito por Daniel (8:20-22). Aqui surgem os Macabeus.  Antíoco IV “Epifânio” (175-164 a.C.), descendente de um dos generais de Alexandre, odiava os judeus e destituiu o sumo sacerdote, proibiu o sacrifício diário e erigiu um altar a Zeus dentro do templo, chegando a sacrificar ali um porco. Em 167 a.C., Matatias, um sacerdote, rebelou-se. Seus filhos Judas, Simão e Eleazar (conhecidos como “os Macabeus” ou “Hasmoneus”), depois de muitas batalhas conquistaram Jerusalém e purificaram do templo, instituindo a festa “da dedicação” para comemorar a tomada da Cidade Santa e a consagração da Casa de Deus (Hannukah, “festa das luzes”, João 10:22).  A revolta dos macabeus fortaleceu o nacionalismo e fomentou grupos como os zelotes, que “zelavam” pela observância da lei e odiavam os estrangeiros, usavam de violência e promoviam até mesmo atentados e assassínios. A esse grupo pertencera Simão, discípulo de Jesus (Mateus 10:4; Lucas 6:15; Marcos3:18; Atos 1:13).
A chegada dos romanos, o quarto e terrível animal de Daniel 7:7, 19, é a profecia que se cumpriu parcialmente entre 63 a.C. (quando o general Pompeu conquista a Judéia) e 70 d.C. (quando Tito incendeia o templo construído por Herodes – que está sendo replicado agora mesmo em São Paulo). Parcialmente porque parte disto se completará quando vier o Anticristo, mas isto é outro assunto. Sob o domínio romano se dá o ressurgimento da esperança messiânica, quando aparecem os essênios, não mencionados na Bíblia, mas que professavam uma vida austera de separação quase monástica, abstinência, meditação, trabalho zeloso, comunidade de bens e celibato. Nas cavernas do Mar Morto, em 1948 d.C., se encontraram muitos dos seus escritos, onde se nota seu interesse apocalíptico, e diversas porções das Escrituras que permitem comprovar que não houve alteração no texto sagrado desde aquele tempo. Para desgosto dos agnósticos e críticos da Bíblia.
Durante o período greco-romano, surgiram outros grupos políticos e religiosos relevantes. Os antecedentes dos fariseus foram os reformadores dos tempos de Esdras e Neemias. Quando Matatias revoltou-se, os “hassidim” (“piedosos”) o apoiaram e, mais tarde foram denominados “perushim” (“separados”). Os fariseus adicionaram à Lei de Moisés a tradição oral – eventualmente considerando suas próprias interpretações mais importantes que o próprio texto original (veja Marcos 7:1-23), e se tornaram legalistas e sem compaixão.
Um outro grupo era o dos saduceus, ricos e aristocratas, que tinham poder no Sinédrio (um tipo de parlamento ou Suprema Corte, que assim como as sinagogas, se consolidou durante esses séculos). O nome saduceu possivelmente vem de Zadoque, o sumo sacerdote dos tempos de Davi (II Samuel 8:17  e 15:24). Rejeitavam todos os livros do Velho Testamento menos os mosaicos. Ensinavam que não há ressurreição, nem galardão, nem castigo, como os atenienses de Atos 17:32, talvez por estarem cansados de ver tantas desgraças. Negavam a existência de espíritos e anjos; enfatizavam a liberdade da vontade humana. Enquanto os fariseus eram nacionalistas, a tendência dos saduceus era absorver a filosofia e a cultura grega. Eram como uma sombra dos gregos, a quem admiravam.
O terceiro segmento era o dos herodianos, uma espécie de elite social religiosa que apareceu, obviamente, no reinado de Herodes. Tinha muitos sacerdotes, que davam apoio ao rei e aos costumes romanos, para com isso conseguir vantagens (Mateus 22:16-18; Marcos 3:6). 
Outro grupo era o dos escribas, da tribo de Levi como os sacerdotes, sendo também escrivães e escritores. Nos tempos de Cristo eram conhecidos como os “doutores da lei”, aceitos como autoridades na interpretação da lei mosaica. Pertenciam à seita dos fariseus, mas eram uma classe à parte. 
Qual é o paralelo com nossos dias? Quem são os fariseus de hoje? Talvez não seja difícil identificá-los. Podemos facilmente associar alguns conhecidos nossos à imagem de santarrão, o popular “santo-do-pau-oco”. Só não devemos os esquecer de olhar no espelho de vez em quando.
Mas, e os saduceus? Será que ainda existem por aí? Acho que sim. Admiram a “cultura moderna”, os métodos modernos de administração e crescimento, de arrecadação de recursos; a “música moderna”, a “moda moderna”, os cabelos, as roupas, as tatuagens e piercings. Irmãs que vão “à igreja” de blusa “frente-única” e calça de academia de ginástica. Homens usando brinco. Pastores fazendo implante de cabelo, delineando a sobrancelha, pintando as unhas, fazendo depilação, lipo-aspiração e redução do estômago. Pastores gastrônomos. Líderes evangélicos que apoiam união homossexual. Estão aí mesmo, agora mesmo, numa igreja perto de você. Avançados, integrados na cultura e na sociedade.  Igrejas “inclusivas”. Louvam a Deus na “balada” com funk  e hip-hop “para Jesus”. Dizem que luta-livre e boxe na igreja não tem nada de mais. Modernos. Não crêem no mundo espiritual nem têm certeza da Eternidade. Pós-modernos.
E os herodianos? Ah, é fácil. Envolvidos com o mundo político, freqüentam os gabinetes das autoridades, em troca de apoio. Franqueiam o púlpito aos candidatos, à destra e à sinistra. Negociam verbas, horários na televisão, emissoras de rádio, cargos no governo. Até fazem oração para Deus proteger o fornecedor da propina. Não raro acabam investigados pela Polícia Federal e pela Receita. Mas sempre voltam, apoiando o candidato em quem meteram o pau na eleição passada, ou metendo o pau em quem apoiaram antes.
Não sei se existem zelotes. Pelo menos não são idênticos aos dos tempos bíblicos: não cometem atentados, ao que se saiba. Na essência, até que seria bom haver alguns que “zelassem” pela Palavra com ardor, rejeitando as profetices apócrifas de falsos apóstolos, e que não permitissem que “estrangeiros” tivessem preeminência entre o povo de Deus. Que abominassem acordos com os cananeus. Que lutassem contra os abusos com a mesma garra e obstinação dos macabeus, até que a Casa de Deus seja limpa de todo sacrifício impuro, e o fogo estranho seja apagado do altar.
Essênios, que mesmo sem precisar ir morar longe dos outros, preservassem um modo de vida separado do mundo, e que aguardassem esperançosamente a Vinda do Messias.
Vivemos os últimos dias. Como os hebreus no Egito, e os judeus sob o governo de Roma, somos pressionados pelas leis do Faraó e de César. Os governantes deste mundo não aceitam que tenhamos outro Senhor, ainda mais poderoso do que eles próprios. Também sabemos que não há novas revelações: a Palavra de Deus está completa, e nenhum profeta – se ainda os há – por mais ungido que seja, não pode acrescentar nada a ela. Temos que agir como os filhos de Jacó: nos agarrarmos à promessa da libertação. Deus não está surdo; Ele apenas aguarda o momento certo para agir. Temos que permanecer atentos ao toque da trombeta que anunciará o instante de levantarmos acampamento e partirmos para a Terra Prometida.
Temos que ser como os poucos judeus que, apesar da tirania de César, não perderam a esperança e aguardaram a chegada do Messias prometido. Havia muito tempo que não aparecia um profeta novo, o último fora Malaquias. Mas, firmes na promessa, perseveraram e viram a vinda do Filho de Deus. Simeão, Natanael, Ana, e mesmo os magos do Oriente, não se deixaram impressionar pela grandiosidade de Roma, pelo poder de Herodes, pela magnificência do Templo. Não estavam nem aí para a erudição dos fariseus, para o humanismo e a modernidade dos saduceus; não se contaminaram com a cultura dominante e “chique” dos gregos; não foram seduzidos pelo poder como os herodianos.
Sejamos como Simeão, Natanael, Ana e os magos do Oriente. Fiquemos firmes na promessa!

continua...

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