domingo, 13 de julho de 2014

Ainda bem que Jesus não voltou

Ainda bem.
Eu teria ficado para trás, porque me distraí vendo todos os jogos de futebol que pude. Afinal, é empolgante assistir a toda a movimentação das torcidas antes, durante e depois dos jogos; ver os comentários dos mais abalizados jornalistas esportivos, e os palpites dos zé-manés que passavam pela rua, doidos para aparecer na televisão. Os vitoriosos comemorando e os derrotados chorando. A torcida aplaudindo e a torcida vaiando. Ah, sim, e também as análises dos entendidos depois, até tarde da noite, as resenhas, os replays dos lances mais perigosos, das faltas mais violentas,dos gols mais bonitos, das falhas mais clamorosas, dos impedimentos não marcados e dos penalties duvidosos, dos closes nos torcedores mais exaltados... ainda bem. Eu nem teria percebido que Jesus voltara.
Ainda bem que a trombeta não soou nesses últimos dias (eu acho). Eu não teria ouvido, pois estava muito ocupado discutindo a situação política do país. Eu precisava convencer os meus conhecidos de que a minha opção política é a melhor, e que eu sei a solução para todos os problemas. É claro que eu sei o nome de todos os corruptos, sei como resolver a questão da Educação, da Saúde, dos Transportes e da inflação. Eu tenho a solução para a crise econômica! É muito simples! Não sei como as pessoas ainda não sabem, por isso precisei gastar horas e horas em debates intermináveis explicando quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Fiquei aliviado quando me dei conta de que a trombeta ainda permanecia silenciosa (acho).
Respirei mais calmo quando pensei que o arrebatamento da Igreja não aconteceu nessas últimas semanas. Eu teria perdido o momento, pois precisava atualizar meus e-mails, meus posts no Facebook e no Twitter, e ver as mais recentes piadinhas da web e do WhatsApp. Precisava ver os últimos vídeos de gente idiota escorregando na rua, caindo na praia, capotando de balanços e escorregadores nos parques de diversão, e rir das pegadinhas mais bestas que se pode imaginar. Eu tinha que saber quais eram os memes da hora. Não podia correr o risco de ficar “por fora”, senão o que diriam os meus amigos?
Eu achei bom que o dia do retorno de Jesus a esta Terra ainda não chegou, porque eu teria perdido. É que eu precisava assistir aos últimos capítulos da novela. Sabe como é, o pessoal fala que é coisa do diabo e coisa e tal, mas se eu não sei o que as pessoas estão vendo e comentando, como posso interagir com elas? Como poderia haver melhor razão para iniciar um assunto do que o capítulo de ontem? É só fazer de conta que não tinha nenhuma cena de traição, de violência gratuita, ou de beijo gay. A gente passa por cima dessas coisas secundárias. O que importa é ter o que conversar com os outros.
Ainda bem que Jesus ainda não voltou, pois eu precisava assistir aquele DVD com o show gospel daqueles levitas adoradores que mandam a gente tirar o pé do chão e depois botar a cara no chão. É muita unção! Só de assistir ao vídeo a gente fica todo suado. Dizem que antigamente, na adoração a gente ficava arrepiado, mas agora são outros tempos... e também precisei ver aquele filme de super-heróis que há muito tempo anunciavam que ia estrear. Durante aquelas horas diante da telona pude descansar um pouco e me divertir com as aventuras rocambolescas e completamente fantasiosas, sem me importar em imaginar que, em sendo arrebatado aos céus, veria coisas muito além de qualquer imaginação humana. Se bem que naquela nova série de TV também apareceram algumas cenas tão cheias de efeitos especiais que nem sei se é possível haver algo mais esplendoroso.
Espero que Jesus ainda demore a voltar, pois ainda quero ir àquele show gospel, daquele cantor famoso que, aliás, estava no jogo do Brasil, ele até apareceu na televisão no meio da torcida, com camisa amarela e tudo. Ainda bem que ele não é daqueles antiquados que diziam que não deveríamos nos envolver com futebol. Imagina só... tantos jogadores e ex-jogadores que quando fazem gol levantam a mão para o céu... por isso eu quero ir no show gospel daquele cantor, ainda mais se for no estádio de futebol. Tudo bem que depois que o Brasil perdeu ele apagou de seu site as próprias fotos do dia do jogo e passou a falar que devemos orar por Israel, mas se ele vai ao estádio eu também posso.
Eu fiquei sossegado ao perceber que Jesus não havia voltado durante estes dias. Assim eu tive bastante tempo para postar nas redes sociais muitos selfies, como quando fui naquele restaurante bacana, e tirei foto da comida antes de partir para cima do prato. Todos os meus amigos viram, mas sei que alguns ficaram com inveja e não curtiram. Acho até que vou apagá-los da minha lista. Realmente são invejosos pois não custa nada dar um joinha nas fotos de sorvetes, bolos, cachorro-quente, sanduíche e até macarronada que eu posto! Tudo bem que foram muitos, mas o que é que tem? Achei que havia algo de errado e quando postei alguns versículos ninguém nem gostou. 
Por isso mudei de foco e retransmiti várias fotos de gatinhos e de paisagens com por-do-sol, praias e montanhas, flores e jardins com mensagens de auto-ajuda: aí sim, dessas o pessoal gostou... nem ligaram se são mensagens de Gandhi, do “papa”, de “madre” Tereza, de “são” Nicolau, de Lênin, de Jorge Amado, Dorival Caymmi, Zé Cabaleiro ou de Alan Kardec... e algumas que eu mesmo inventei.
Ainda bem que Jesus não voltou enquanto eu pensava nessas coisas. Eu não teria forças nem para ver o que estava acontecendo, porque ainda estou cansado da festa junina que teve na minha igreja. Tudo para Jesus, é claro.
Havia bandeirinhas enfeitando tudo, todo mundo usava calça remendada e camisa xadrez! Só cantamos o louvorzão em ritmo de forró e country. A adoração atingiu o ápice quando todo mundo dançou em roda, em volta de uma fogueira de mentirinha, feita de papel celofane e cartolina. E no final do culto todos comeram canjica, pipoca, milho assado e pamonha. Não houve tempo para pregação nem evangelização, e ninguém se decidiu ao lado de Jesus, mas no nosso coração temos certeza de que foi tudo feito para glória de Deus e para manter os jovens na igreja. Mesmo que por trás de tudo estivessem as festas de “são” João.
Estou feliz de que Jesus não tenha aparecido nas nuvens ainda. Não tenho tido tempo de ler a Bíblia, nem de estudar o que Ele falou sobre o fim dos tempos. Não tenho paciência para ler livros cristãos: eles são muito profundos e me fazem pensar demais. Eles me deixam preocupado. Eles vivem me cobrando mais responsabilidade, mais vida cristã, mais testemunho. Me contento em saber que meu pastor disse que ninguém sabe direito sobre esse negócio de arrebatamento, e que a volta de Jesus pode ser interpretada de forma simbólica. Ele falou que é para a gente não se preocupar com essas coisas. Aí sim fico mais sossegado e posso me concentrar em outras coisas.
Me deu um certo alívio ao ver que a maioria das pessoas da igreja ainda está por aqui, teclando nas redes sociais e mandando torpedos, atualizando perfis, compartilhando piadinhas! Isso prova que Jesus não voltou, senão as teria arrebatado. São pessoas tão boas! Quase nunca faltam aos cultos, estão sempre nas atividades da igreja, dão o dízimo toda semana, participam da ceia, tocam no louvor, e as que não tocam no louvor, dançam! Não poderiam ficar para trás. Se elas sumissem de repente, eu acreditaria que Jesus voltou. A menos que elas não sejam o que parecem ser...
Ainda bem que Jesus não voltou nesses últimos dias.
Ou voltou???

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